domingo, 29 de março de 2015

Transgressividade #4: Martyrs (2008)

Capa de Martyrs
Não é de hoje que o cinema francês tem agraciado os cinéfilos com filmes de horror inovadores e com alta qualidade. E pra justificar essa afirmação, eu resolvi escrever umas poucas palavras sobre Martyrs.

Martyrs pertence ao New French Extremism, movimento cujo termo foi cunhado pelo crítico canadense James Quandt, para descrever as produções de horror extremo que começaram a surgir no país do escargot na virada do século.

Dirigido por Pascal Laugier, Martyrs conta a história de Lucie. Uma jovem que consegue fugir do cativeiro onde sofria abusos e torturas na infância. Quinze anos depois, ela acredita ter descoberto o paradeiro dos responsáveis pelas torturas que esta sofreu e resolve ir atrás deles.

Nessa jornada em busca por vingança, ela conta com a ajuda de sua amiga Anna, que lhe ajudou enquanto ambas viviam num hospital.

Morte do pai, que Lucie acredita ser um dos
responsáveis pelos momentos que viveu.
Tendo encontrado os responsáveis pelos abusos que sofreu, Lucie assassina o pai, a mãe, e até mesmo os filhos do casal. Porém, o motivo da morte dessas pessoas não é somente a vingança de Lucie, mas também para que o "monstro" que assombra Lucie vá embora. Com o desenrolar do filme, podemos perceber que esse "monstro" nada mais é que uma outra vítima que Lucie deixou para trás no cativeiro no momento em que conseguiu escapar.

Pouco tempo depois, Anna vem de encontro a Lucie. Porém, Anna nunca acreditou totalmente na história de Lucie, acreditando que algo ali pudesse ser algum tipo de alucinação da mente de sua amiga. E é nesse momento que as garotas entram em conflito. Após esse acontecimento, Lucie começa a se mutilar, imaginando que o "monstro" fosse o causador daquilo. Até que Lucie morre.

Atordoada com a morte da amiga, Anna liga para sua mãe, com quem não fala há tempos. Porém, no meio da ligação, Anna começa a ouvir sons e resolve averiguar o que é aquilo. Vagando pela casa, Anna encontra o tal monstro de quem Lucie tanto falava e resolve ajudá-la. Ajuda a limpá-la, a secar os ferimentos e tirar os dispositivos presos em seu corpo.

Retirando o dispositivo.
Retirando as presas.
Após a retirada do dispositivo, a mulher a deixa para ver o corpo de Lucie. Porém, poucos momentos após Anna ter saído, o "monstro" dá um surto e quando Anna vê, o "monstro" está se cortando.

Pouco tempo se passa depois desse fato, até que um grupo de pessoas adentra ao recinto e acertam um tiro no monstro. Anna é aprisionada e o enredo começa a ser explicado. Como se a partir desse ponto que a história começasse a fazer sentido. A junção das peças. Durante o discorrer da cena onde Anna é interrogada por uma mulher alcunhada de mademoiselle, o seguinte diálogo surge (imagem):

Esse diálogo dá a introdução ao significado que o título do filme expressa.
Após o curioso diálogo, a mademoiselle começa a mostrar fotos de pessoas que estavam prestes a morrer. Fotos estas tiradas momentos antes da morte dessas pessoas. Em todas as fotos um elemento curioso é perceptível: o olhar fixo e vago das pessoas, como se estivessem em outra dimensão.

É aqui que o intuito de mademoiselle se torna notório. O estado "alucinógeno" das pessoas nas fotos representam a ligação com o "além-vida". A experiência vivida por Lucie não era mais nada, além de um experimento para que mademoiselle descubra o que ocorre no "além-vida", e agora, a nova peça desse experimento é Anna.

Agora Anna consegue entender todo o ódio de Lucie, pois daí em diante Anna passa por diversos acontecimentos, que só chegam ao fim quando ela está totalmente entregue. O último passo é realizado, a pele dela é arrancada e... ela entra "em transe".

Rapidamente, mademoiselle é contatada e informada sobre o estado de Anna. Ela vai ao recinto onde as barbáries ocorrem e vai ao encontro de Anna, que lhe conta (sussurrando em seu ouvido) tudo o que vivenciou no "além-vida".

Após esse acontecimento, uma cerimônia é marcada com todos os integrantes da seita, para que mademoiselle possa revelar a todos a descoberta que lhe foi feita. Porém, antes mesmo que a descoberta seja revelada, a própria madeimoselle pega um revólver e comete suicídio. O diálogo final é feito entre Etienne e a própria madeimoselle.

Ela pergunta: "você poderia imaginar o que vem depois da morte?, e ele responde: "Não, mademoiselle, eu...", e ela finaliza: "Continue na dúvida, Etienne", e dá um tiro na sua própria boca.

Apesar do filme praticamente terminar aqui, ainda dá tempo de surgir uma imagem preta com os seguintes dizeres: "Mártir: nome, adjetivo. Do grego: "marturos". Testemunha". E após isso a imagem do corpo de Anna sem pele surge por alguns segundos, até que os créditos se iniciem e o filme termine de vez.

Com atuações fantásticas e intensas, Martyrs marca uma mistura de referências de estilos cinematográficos com a metafísica. A exposição do fanatismo religioso tentando alcançar explicações, custe o que custar. A exploração do elemento "além-vida", "pós-morte", ou outra alcunha qualquer.

Martyrs não só traz à tona o "problema" da "vida pós-morte", como alimenta a nossa curiosidade com relação aos acontecimentos finais, quando as duas únicas pessoas que sabiam a resposta morrem. Um filme duro, real e reflexivo, Martyrs é uma linda representação da crueldade humana aliada ao fanatismo religioso. E você: quer ser um Mártir?

segunda-feira, 16 de março de 2015

Transgressividade #3: Necrophile Passion (2013)

Caoa de Necrophile Passion
Necrofilia é um tema raramente abordado no cinema, sem dúvida. Apenas em 1987, quando Jörg Buttgereit lançou o clássico Nekromantik, se pôde contemplar na magnificência das telonas a necrofilia. Naquele ano, um dos tabus moralistas do cinema se quebrava.

Apenas após mais de 20 anos depois do lançamento de Nekromantik é que um novo diretor decide voltar a fazer um filme sobre o assunto. E é aqui que Necrophile Passion entra. 

O que se pode se esperar de Necrophile Passion? Um remake de Nekromantik? A repetição chula do mesmo enredo? Não. O crânio por trás dessa história, Tom Heidenberg, definitivamente, não faz isso.

O filme é dividido em 6 capítulos. O primeiro capítulo se chama Obituário. O filme nos mostra um homem (Günther Brandl) que perdeu todo o sentido da vida. Vagando por entre a floresta, ele encontra um corpo nu (e morto) de uma garota. 

Inicialmente, ele pensa em chamar a polícia, mas tomado por desejos enterrados no seu subconsciente, ele decide levar aquele corpo para sua casa. Já em casa, ele coloca o corpo da mulher no chão. Após um curto espaço de tempo, ele abaixa a bermuda e começa a fazer sexo com o cadáver que - perceptivelmente - ainda está fresco.

O segundo capítulo se chama Dor. Nele podemos ver o homem tendo recordações de sua infância. Onde o seu pai o abandonou e o deixou com sua mãe, que nada mais sabia fazer além de ter acessos de raiva e fazer insultos à ele. Também podemos ver a forma como sua namorada o trata. O sentimento de renegado que assombra o homem durante esse capítulo.

Em determinado momento, ele pergunta à ela: "Você não me ama mais?", e ela responde: "Você realmente acha que isso é amor?", e completa: "A única coisa que nos une é a dor... e a humilhação".

Esse segundo capítulo é um prelúdio da transformação na vida do homem. Em certo ponto, o protagonista até aparenta ser uma vítima. Um sujeito que tornou-se o que é pela dor que foi impelido a ter durante sua existência.

O terceiro capítulo se chama Isolamento. O capítulo inicia com o homem tendo visões de uma mulher transando com um cadáver já decomposto. Após isso, ele começa a ver uma outra mulher sendo cortada.

Porém, só se torna claro quem é a mulher que suas visões querem se referir quando ele liga a TV. Ao ligá-la - apesar do sinal estar fora do ar - ele imagina estar presenciando a cena da própria namorada transando com um cadáver em decomposição. 

Ela, olhando para ele por entre a tela, diz: "é o cheiro da putrefação que me excita", como a dizer que o cadáver lhe dava muito mais prazer que ele. Ele não era capaz de satisfazê-la. 

Com isso, ele desliga a TV. Uma voz surge em sua cabeça, dizendo: "quer você goste ou não, sou uma parte de você. De você todo. Veste-se. Sentado ali, colado à sua cadeira. Você senta ali, comendo e bebendo. Sem vida, observando esta tragédia de amor, morte e solidão. Acha que tudo isso é doença? Retrata-se como sendo inocente? Dê uma boa olhada para si mesmo no espelho, e então, julgue de novo. Todos e cada um de vocês contribuem para isso. E você também. Brutalidade usada contra os fracos. Crianças morrem por nada. O homem, o animal. Você não é nada!".

É perceptível aqui uma crítica velada à certas características da sociedade. Mas não apenas isso, esse trecho clarifica a putrefação do homem. A natureza humana: podre, imunda, asquerosa.


O quarto capítulo se chama Amor. Nesse capítulo se retrata o processo do namoro. Desde o conhecimento até o período de renegação. Um fator interessante é a rosa que é mostrada no início do capítulo. Desabrochando, como a representar a beleza do início do namoro, ao passo que poucos minutos depois ela novamente aparece, porém, dessa vez ela está murchando, representando o declínio do namoro. O mesmo acontece com uma vela, que no início aparece acesa, e no final uma mão aparece apagando-a.

O quinto capítulo se chama Ódio. Em determinado momento, o homem começa a divagar. Comparar o seu namoro ao de seus amigos, que não brigavam. Até que, novamente, ele ouve a voz: "foi ela que destruiu você. Ela te transformou no que você é agora. Mas há algo que você pode fazer a respeito", e ele responde: "eu vejo. E o que seria isso?", e a voz retruca: "você não é estúpido, não é? Pense!".

Nesse momento, ele se encaminha à cozinha e vai em direção ao porta-facas. Ao focalizar a câmera, ouvimos a voz dizer: "sim". Ele então volta para sala e ameaça cortar o braço verticalmente, onde se encontra as veias. Mas antes que ele fizesse isso, a voz volta e diz: "não. Não foi isso que eu quis dizer". Só então que ele percebe o que deve fazer.

Ele liga para ela e pede que ela venha à sua casa para conversarem. A campainha toca, ele se encaminha à porta com a faca em mãos. Porém, ao abrir a porta, antes mesmo de que ele pudesse fazer qualquer movimento, ela faz um corte em sua garganta com um canivete.

O sexto e último capítulo se chama Consequências. Esse capítulo é inteiramente rodado na cena da namorada se satisfazendo com o corpo do homem. Aí você me pergunta: consequências do que, especificamente? Provavelmente, consequências de uma vida marcada pela dor e pelo sofrimento que culminaram na insanidade do protagonista.

Tom Heidenberg exemplifica esse processo e afirma o quão poderosa são as interferências que as pessoas podem fazer na sua vida. No que elas podem nos transformar.

E aqui o filme termina. As atuações de Necrophile Passion não são lá essas coisas. As atrizes que representam os corpos mortos deixaram a desejar. A única exceção é a atriz Eldrid Remy, que incorpora o asco que tem pelo homem com uma primazia tremenda.

O ponto mais forte e digno de exaltação de Necrophile Passion é a trilha-sonora. O trabalho de René Bidmon nesse filme foi primoroso. Dá um ar de tensão incrível e que acompanha lindamente a perturbação do personagem central.

Apesar de não ter a técnica e o profissionalismo de Nekromantik, esse filme é uma ótima pedida para o tema. Nele o telespectador poderá ver introspecções e demais fatores que não se encontram nem no clássico de 87.

sábado, 7 de março de 2015

SWAP.avi - O Filme Mais Nojento de Todos os Tempos

Independente de qualquer coisa, NÃO ASSISTA esse filme. Não deixe que a tentação que sua curiosidade lhe proporcione o faça procurar por esse filme. Ele não irá acrescentar em nada na sua vida.
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Quem acompanhou os meus primeiros posts aqui foi capaz de perceber que tenho uma tendência a gostar de filmes com temáticas transgressoras e afins. Filmes tidos como perturbadores costumam chamar a minha atenção e, devido a isso, tive a infelicidade de achar esse fiapo de história.

Eu havia chegado em um ponto onde achava que já não haviam mais filmes que pudessem me causar espanto. Porém, SWAP.avi quebrou essa minha concepção. Um verdadeiro soco no estômago, um filme intragável, depravado. Para quem - à meu exemplo - acha que tem estômago forte (estômago de ferro), saiba que para assistir SWAP.avi é necessário ter um verdadeiro estômago de titânio.

Fiquei pasmo ao perceber que esse filme é uma produção brazuca. Logo no cenário cinematográfico brasileiro que é tão coxinha. O filme mais "impactante" de produção brazuca que consigo lembrar no momento é Matadouro, de 2012. E mesmo assim, não é lá essa coisa toda também.

Quem teve o desprazer de assistir o vídeo 2 girls 1 cup conseguirá compreender o que estou dizendo. SWAP.avi passa a impressão de ser uma versão estendida de 2 girls 1 cup. A versão filme, se é que se pode chamar isso de filme.

Devo salientar que, a taxação de "O Filme Mais Nojento de Todos os Tempos" é uma opinião exclusivamente minha. Talvez existam filmes que consigam ser ainda mais absurdos e mais intragáveis do que SWAP.avi, porém, eu realmente acho que tal filme não exista.

O filme inicia de forma tranquila, os créditos são apresentados e tudo aparenta correr tranquilamente. No início, o filme aparenta ser apenas mais um filme pornográfico de péssima qualidade. Diálogos podres, atuações horríveis, enredo batido e um hábito comum no mundo do cinema erótico brasileiro: apresentar atrizes representando adolescentes que fazem vozes que as fazem parecer retardadas.

O enredo é simples. Quatro mulheres estão em uma escola: três alunas e uma professora. Em dado momento, as três alunas reparam o quão curta é a saia da professora e começam a comentar sobre a sua região glútea. Pondo em prática uma das táticas mais clichês e batidas do cinema pornográfico, a professora deixa cair o giz "acidentalmente", proporcionando assim uma visão mais nítida para as garotas.

Em seguida, as garotas ficam nuas e as quatro mulheres começam a se "pegar". Recostada contra a parede, a professora deixa que as alunas introduzam um dedo em seu ânus, para que assim estas possam saborear os resquícios de excremento contido dentro de seu aparelho excretor.

Após as três fazerem isso, as cenas de scat começam a aparecer. Uma das alunas defeca sobre os glúteos da professora, e as outras saboreiam o "delicioso" banquete. As garotas passam as fezes umas nas outras e as dão uma na boca da outra. Após o saboreamento fecal, ambas iniciam uma sessão de vômitos. Vomitando umas nas outras, em cenas repulsivas e demasiadamente depravadas.

Vídeos scat existem aos montes na internet, mas nada se compara a SWAP.avi. Em muitas cenas é perceptível a agonia que as atrizes sentem ao fazer aquilo. É possível ouvir as "atrizes" dizerem coisas como: "que delícia, que gostoso", e isso torna assistir o filme uma missão ainda mais árdua. Dá pra perceber que não é aquilo que elas sentem, mas é como dizem... ossos do ofício.

Dizem que SWAP.avi é um filme 100% verídico, eu sinceramente prefiro não acreditar nisso. Prefiro pensar que as cenas foram feitas através de algum artifício, algum tipo de truque. Mas se as cenas são realmente reais... argh!!! Eu não recomendo esse filme pra ninguém. Apenas alguém fetichista o bastante para aderir a coprofagia/coprofilia desenfreada será capaz de assistir esse filme sem sentir o mínimo de repulsa.
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Tive o bom senso de não extrair nenhuma imagem do filme. Apesar de conter cenas em que se é até digerível ver as imagens, preferi não disseminar ainda mais um filme tão esdruxulo. E por aqui eu termino.

sexta-feira, 6 de março de 2015

Área Cult #2: Eraserhead (1977)

Capa de Eraserhead
David Lynch é um diretor complicado. Seus filmes - em sua maioria, complexos - trazem uma atmosfera profunda, criptografada. Tentar entender os enredos que Lynch apresenta chega a ser uma tarefa filosófica, uma tarefa feita especialmente para Sherlock's desvendarem. E, provavelmente, Eraserhead seja a principal representação dessa característica.

Porém, apesar da "codificação" dos seus filmes, Lynch é um verdadeiro artista. Tenho o costume de dizer - e essa é uma opinião exclusivamente minha - que, David Lynch é um dos diretores mais mal compreendidos da história do cinema.

O filme é um enigma. Segundo o próprio diretor, ninguém conseguiu entender o que ele queria passar com Eraserhead. Dotado de uma alta carga interpretativa, com poucos diálogos e um roteiro exprimido que ajuda em pouca coisa, é bem provável que a afirmação de Lynch esteja certa.

O enredo - ao contrário do filme - é bastante simples. Um reservado operário chamado Henry Spencer se vê obrigado a se casar com uma ex-namorada sua chamada Mary X, que se diz grávida dele. O bebê nasce uma "aberração", o que faz com que ela abandone-o para deixá-lo cuidar do bebê sozinho.

O enredo é tranquilo, perfeitamente digerível. Porém, a forma como Lynch o constrói não é tão simples assim. O filme é transcorrido com as complicações, problemas e ambições de Henry, que são - de certo modo - abstratas. 

Jogos psicológicos, metáforas tremendamente complexas, cenas praticamente indecifráveis... tudo isso num filme que consegue reunir um sentimento de nada e de tudo ao mesmo tempo. Eraserhead causa em seu telespectador uma impressão de indefinição, aquela sensação de: certo, mas o que isso quer dizer? O que se passa na cabeça dele?


Reunião de cenas: o Homem no Planeta, o bebê "aberração", a mulher do Palco e demais outros
personagens que deixam a cargo do telespectador a missão definir qual é a função deles no enredo.

Pode se dizer que nada é muito claro no filme, a cada minuto parece que ficamos mais confusos do que esclarecidos. Por isso, a compreensão do filme é muito pessoal. O interessante para um telespectador que nunca viu Eraserhead é justamente esse "mistério". Até mesmo o significado do título "Eraserhead (cabeça de borracha)" não é dos mais fáceis de se compreender.

Eu cometeria um crime se externasse minha interpretação de Eraserhead, pois a partir disso quem ler o que eu escrevo vai tender a ver o filme sob a minha ótica, e isso não é bacana.  Então, eu pararei aqui.

Eraserhead: o filme que consegue entrar na mente de quem assiste com uma facilidade absurda. Assista... aprecie!
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Curiosidades:

1. Demorou cerca de 5 anos pra ser gravado.
2. Certa vez Stanley Kubrick disse que Eraserhead era o seu filme favorito.
3. Ao ser perguntando sobre o filme, Lynch o definiu como "um sonho sobre coisas sombrias e inquietantes".
4. O orçamento do filme saiu do próprio bolso de Lynch, contando com uma pequena ajuda de seu amigo de infância: Jack Fisk.
5. O bebê foi feito a partir de um feto de cabra embalsamado. O feto foi enterrado em local desconhecido após as filmagens.
6. Lynch dormiu no quarto do personagem Henry durante os 5 anos de gravação.
7. Diz-se que o esmero de Lynch com o filme foi o fator principal do término de seu primeiro casamento.
8. Os grunhidos do bebê foram gravados pela própria filha de Lynch, Jennifer Chambers Lynch.

segunda-feira, 2 de março de 2015

Área Cult #1: The Elephant Man (1980)

Capa de The Elephant Man
The Elephant Man retrata a história verídica de Joseph Merrick, britânico que viveu na segunda metade do século XIX (1862-1890). Joseph Merrick sofria de uma doença congênita que é a causa das deformidades de 90% do seu corpo.

Indicado ao Oscar de 1981 em 8 categorias diferentes: Melhor Filme, Melhor Diretor (David Lynch), Melhor Ator (John Hurt), Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Direção de Arte, Melhor Figurino, Melhor Trilha Sonora e Melhor Direção. Infelizmente, não ganhou em nenhuma das categorias. Injustamente, na minha humilde opinião.

The Elephant Man é um filme incrivelmente tocante e que mostra o quão pútrido o ser humano é. São mostrados pré-conceitos estabelecidos em prol de uma idealização de que a beleza é a qualidade imprescindível para a sociedade. Tentativas de expurgar um indivíduo da sociedade apenas por sua aparência incomum, como se o cujo fosse culpado por ter nascido assim.

O filme começa em um circo, onde o Homem Elefante é visto preso em uma jaula para pessoas que se interessem (e paguem) possam ver a "aberração" de Londres. Lá, Joseph Merrick é alimentado apenas de batatas e é constantemente espancado. 

“A vida é cheia de surpresas. Pense no destino da mãe dessa pobre criatura. Atacada no quarto mês de gravidez… por um elefante selvagem. Atacada numa ilha perdida… na África. O resultado está aqui. Senhoras e senhores… o terrível… Homem Elefante!”. Era assim que o londrino Joseph Merrick costumava ser apresentado no circo em que era exibido como atração. 

Um dia aparece um médico chamado Dr. Treves (interpretado por Anthony Hopkins) no circo. Futuro médico da Família Real Britânica, Dr. Treves o tira do circo e o leva para um hospital, onde terá a oportunidade de ter uma vida melhor e onde será estudado.

No começo, Merrick não fala, pois já não conseguia mais praticar tal ação. Apenas com o tempo é que ele começa a falar com o doutor. Inicialmente, tudo o que consegue emitir são grunhidos ininteligíveis. Com paciência, ele passa a conseguir se expressar, demonstrando ao doutor, inclusive, que este obtém a capacidade de raciocinar.

Com diálogos constantes e certa proximidade, Treves e Merrick tornam-se amigos e o doutor até passa a introduzi-lo em seu meio social, apresentando-o à sua própria esposa.

Com o desenrolar do filme, é perceptível a natureza bondosa e gentil de Merrick, contradizendo os preceitos dos julgamentos de todos que o viam. Mostrando a todos nós que a beleza não está apenas na estética, mas que ela é uma junção de fatores que fazem essa designação ser verdadeira.

Até que, um dia, o dono do circo - que teve tirado de si a sua principal renda - contata algumas pessoas para que ele possa sequestrar Merrick e trazê-lo de volta ao circo. Numa das cenas mais repugnantes do filme, um grupo de pessoas invadem o hospital e torturam Merrick. Fazendo-lhe piadas e comentários maldosos a respeito de sua imagem, batendo-o e praticando demais atos repugnantes - que prefiro não relatar - até que o dono chegue e o leve de volta.

Ao fazer a apresentação novamente, o dono percebe que os espectadores não o receberam da mesma forma e mais tarde, trata de agredi-lo novamente e trancafiá-lo numa jaula. Tocados pela situação de Merrick, os outros componentes do espetáculo "freakshow" o ajudam a escapar, cobrindo-o com um capuz, para que ninguém o perturbasse em sua viagem de volta (imagem ao lado).

Porém, a crueldade da humanidade é inconcebível e um jovem menino nota uma estranheza naquele peculiar moço e começa a importuná-lo, repetindo a mesma pergunta: "Por que sua cabeça é tão grande?". Percebendo aquilo, mais dois jovens notam a insistência daquele menino e começam a ir atrás dele, o que faz com que Merrick comece a acelerar o passo, para se desvencilhar daqueles importunadores.

Entretanto, ele não obtém sucesso nisso e quando percebe, está cercado por um grupo de pessoas, que tiram o seu capuz e revelam a sua identidade. Ao ver o susto nos olhos dos que estão em sua volta, ele volta a tentar fugir, mas novamente não obtém sucesso. Eles o cercam num local sem saída, aonde acontece a cena mais emocionante do filme.

"Eu não sou um elefante! Eu não sou um animal! Eu sou um ser humano! Eu sou um homem!",
diz Joseph Merrick, enquanto é cercado pela multidão.
É aí que os policiais chegam e ele retorna para o hospital, aonde volta a ter um bom tratamento. Voltando para um cotidiano estável, ele é levado ao teatro para finalmente poder apreciar uma das suas paixões. A dona do teatro - anteriormente apresentado a Merrick - ao término do espetáculo, se dirige à plateia e diz que dedica a atuação daquela noite a Merrick, que é aplaudido de pé por todo o público do teatro.

De volta ao lar, Merrick e Treves têm uma breve conversa, antes de ir para cama. Logo após conversarem, Treves deixa o quatro para que Merrick possa dormir. Porém, ele não faz isso. Merrick sempre dormia sentado, em sua cama haviam uma porção de travesseiros para que ele não se reclinasse enquanto dorme, pois seu pescoço não aguentava o peso de sua cabeça durante o sono. Entretanto, após tanta alegria vivida naquele dia, ele retirou os travesseiros da cama e se deitou... e ali mesmo, ele morreu, com o peso de sua cabeça esmagando sua traqueia. Deu fim a sua existência, no momento de maior alegria da sua vida. 

Uma crítica linda a nossa sociedade, cheia de pessoas fúteis, que só se preocupam com a imagem e com a ostentação de que a beleza é o que forma o caráter de um indivíduo. Tornamos rasos os nossos julgamentos, tudo por mera idiotice. Joseph Merrick é uma das maiores representações disso, pois é praticamente certo que quase todos que assistirem esse filme pela primeira vez, irão sentir um pouco de repulsa.

O filme é emocionante. Podemos acompanhar a evolução de um homem que, por ser diferente, aceitava de forma passiva a condição de "aberração". Nos faz pensar sobre como vemos as pessoas ao nosso redor, refletir sobre o que é verdadeiramente belo e feio. Talvez tudo que façamos seja admirarmos um conceito padrão, esquecendo a verdadeira beleza. Talvez sejamos exaltadores da feiura, sem nem mesmo perceber. Talvez nós mesmos sejamos as aberrações.
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Curiosidades:

1. O verdadeiro nome do Homem Elefante é Joseph Merrick, não John Merrick (como é repetido diversas vezes no filme). A troca de Joseph por John foi ocasionada pelos escritos de Frederick Treves, por motivos desconhecidos.
2. O diretor Mel Brooks foi um dos produtores executivos de The Elephant Man, tendo sido o responsável pela contratação de David Lynch e pela decisão em filmar em preto e branco. Entretanto, para evitar que o público considerasse que o filme fosse uma sátira pela simples presença de seu nome, Brooks pediu que não estivesse presente nos créditos do filme.
3. A maquiagem do Homem Elefante levava cerca de doze horas para ser feita.
4. Apenas em 1986 é que foi confirmado que o nome da doença da qual Joseph Merrick sofria chama-se Síndrome de Proteus.
5. No final de todas as suas cartas, Joseph Merrick terminava com um trecho de um poema de Isaac Watts: "De facto, a minha aparência é algo medonha, mas censurar-me é censurar a Deus. Pudesse eu recriar-me novamente, não te decepcionaria. Pudesse eu abarcar o mundo de polo a polo ou abraçar o oceano num amplexo, seria medido pela minha alma, a base da mente do homem".