domingo, 30 de outubro de 2016

Dedo de Prosa #11: Inferno (2016)

Capa do filme.
"Os lugares mais sombrios do Inferno são reservados àqueles que se mantiveram neutros em tempos de crise moral."

Ron Howard pode não ser um diretor versátil ou cheio de conceitos técnicos sobre cinematografia, mas não se pode duvidar de sua competência e acuidade ao transportar uma história para as telonas, fato que ficou bem claro nos anteriores Anjos e Demônios e O Código da Vinci.

Contudo, na terceira adaptação para o cinema do quarto livro envolvendo o simbologista Robert Langdon, o cenário muda de figura. Um pouco mais impreciso e deixando passar uma porção de detalhes importantes para a trama, Inferno deixa a desejar em muitos aspectos.

Como nas histórias anteriores, o filme gira em torno de Robert Langdon, só que desta vez este primeiro não se encontra em suas plenas capacidades, tendo acordado em um hospital, com perda de memória recente. Ajudado pela enfermeira que o estava auxiliando, Langdon foge da tentativa de homicídio que estaria sendo armada contra ele no hospital. Daí em diante Langdon parte em busca da descoberta do mistério que cerca os dois dias anteriores, a fim de desvendar o porquê daquilo estar lhe acontecendo.

No decorrer da trama, apresentam-se diversos subnúcleos dentro da história, sempre de forma  bem dinâmica, algo que caracterizou Howard nas duas adaptações anteriores à esta. Contudo, apesar desse dinamismo e da urgência que os fatos relevados deveriam dar, a sensação é que o enredo funciona de forma estática. A urgência dos acontecimentos, em muitos casos, é deixada de lado em função de histórias de fundo descartáveis, como a proposta de idealização de um romance vivido por Langdon.

A despeito disto, o enredo central até que funciona bem, centrando-se na ideia do perigo da superpopulação mundial nos últimos séculos, princípio baseado (de forma exagerada, claro) na Teoria populacional Malthusiana ("An Essay on the Principle of Population", 1798) e a "necessidade" de um genocídio generalizado orquestrado pela mente insana do antagonista do filme: Bertrand Zobrist, que cria uma espécie de praga biológica. Para isso, o argumentista fornece uma trama intrincada usando a magnífica obra-prima A Divina Comédia, de Dante Alighieri e o quadro de Botticelli, que esboça os nove círculos do Inferno descritos por Dante em seu livro.
"Mappa dell'Inferno", por Sandro Botticelli
Com o decorrer do filme, o momento do clímax começa a tomar forma e o desfecho é moldado. Um pouco decepcionante, tanto o desfecho quanto o filme falham em muitos aspectos e tornam o filme mais monótono do que a história realmente é. O ponto de destaque fica mesmo nos flashbacks vivenciados por Langdon durante o filme, que proporcionam belas imagens anacrônicas.

Há muito que se falar da fórmula de escrita já batida de Dan Brown, o que acaba resultando em filmes de mesma espécie. Mas apesar de tudo isso, eu gostei do que vi. Confesso que esperava que o filme explorasse bem mais os versos de Dante utilizados no livro do Dan Brown, que - para mim - são o que torna o livro tão instigante, mas o filme ainda consegue entreter. É esperar que em uma possível futura adaptação de um outro livro do Dan Brown, o diretor saiba dar a urgência e a objetividade que as tramas do autor tanto empregam.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Thriller Night #9: A Tale of Two Sisters (2003)

Capa do filme.
A exemplo do cinema francês, outro nicho de produção que vêm ganhando bastante destaque no gênero terror são os filmes asiáticos, repletos de uma tensão psicológica em suas abordagens.

Toda a trama desta magnífica obra é conduzida de forma progressiva, como se a agonia das personagens chamasse para si uma sucessão de eventos caóticos. Uma constante perpetuação de um cenário aterrador.

Além disso, o ar de suspense que o enredo proporciona - não revelando os porquês dos acontecimentos ali mostrados - nos deixam incomodados. Qual o motivo da relação gélida entre o pai e as filhas? Qual a razão do distanciamento entre o pai e a madrasta das garotas?

Aos poucos, com o desenrolar da trama, os eventos se apresentam como um pavio aceso, apenas aguardando o momento do clímax.

Contando com uma fotografia fria e sombria, sempre destacando formas denotando o vazio das cenas e até mesmo o vazio das relações entre aquela família visivelmente desestruturada, toda a estética do filme causa uma sensação incômoda e melancólica.
Su-Yoen e Su-Mi, tendo um embaraçoso momento em família.
As atuações são impecáveis e o enredo é esplêndido. Um dos melhores exemplos dessa excelente safra de filmes asiáticos, A Tale of Two Sisters (que recebeu o tosco título de "Medo", no Brasil), é um fantástico exercício inventivo de cinematografia, onde tensão psicológica e pavor se unem como um elemento só. Com o desfecho do filme, nos resta apenas decifrar de qual lado estamos na linha tênue entre a realidade e a insanidade.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

A Vida é Curta #2: Din of Celestial Birds (2006)

Capa do filme.
Quando eu descobri que o Merhige havia feito um curta-metragem que seria o segundo filme de uma trilogia (não-oficial) que teria sido iniciada com Begotten, eu confesso ter ficado um tanto quanto intrigado. Pensei comigo mesmo: conseguirá ele abarcar toda a complexidade e verborragia empregada em Begotten?

Mas por mais que eu tenha ficado com esse pé atrás, o curta conseguiu quebrar toda essa minha desconfiança. Com cerca de 10 minutos (créditos excludentes), o curta consegue propor uma abordagem extremamente lisérgica, com uma fotografia ainda mais densa e um enredo bastante enigmático.


Logo no início, o curta centraliza uma mensagem, que servirá como base para a experiência que virá. Nela (a mensagem), pode-se ler: "Olá e bem-vindo. Não tenha medo. Esteja confortado e lembre-se da nossa origem."

Isso é o que irá nos guiar, pois novamente o Merhige nos coloca defronte de uma trama sem diálogos e com uma sucessão de acontecimentos ininteligível. Surgem na tela imagens do universo, provavelmente querendo explorar a teoria do Big Bang como o fator propulsor da Criação. Usando de um dinamismo impecável, o curta ainda abre espaço para explorar a criação do dia (Sol) e da noite (Lua) e o surgimento da primeira vida humana na Terra, tudo espelhado no livro bíblico de Gênesis.

O mais curioso é que Merhige não parece querer dissuadir uma ideia da outra; o desenvolvimento sequencial das imagens pautadas em uma simbiose tresloucada parece querer perpetuar uma certa nobreza entre os dois espectros de pensamento, como se de alguma forma elas pudessem se completar. No final, ainda resta tempo para que uma figura (humana?) possa surgir do "pó da terra", buscando alcançar algum tipo de fonte anônima.
Pseudo-humanoide, surgindo misteriosamente.
Visualmente magnífico e com uma trilha-sonora impactante, Din of Celestial Birds é um curta experimental indelével. Filmado com o apoio da Q6 Film, grupo de artistas e filósofos, ele (o curta) se apresenta como um verdadeiro exercício de reflexão, onde as cenas (dotadas de uma psicodelia magnânima) montam um verdadeiro mergulho na incompreensão da vida. Genial... e que venha o terceiro!