Capa do filme. |
Discorrer sobre um filme do Jodorowsky é - sem sombra de dúvidas - um grande prazer e um imenso desafio. Para além das peculiaridades nada ortodoxas de suas obras, existe no seu tato cinematográfico uma intensa tentativa de aplicar exercícios estilísticos de arte, e isso, em um cenário onde a perpetuação das mesmas caricaturas idiossincráticas do cinema contemporâneo, é algo a se admirar.
É com isto em mente que se escancara a proposta de Poesia sem fim, uma espécie de auto-biografia hiperbólica do próprio diretor. Por meio dos versos roteirizados dentro da narrativa, o diretor - que em muitos momentos aparece em cena, como a consciência da personagem, complementando a cena que se dramatiza - descreve a sua jornada em contato com a arte (e, mais especificamente, a poesia) da infância até a vida adulta.
O pequeno Alejandrito, interpretado pelo filho do diretor (Adan Jodorowsky), vive em um lar repleto de amarras sociais. Seu pai (também interpretado por um filho do diretor: Brontis Jodorowsky), rígido e extremamente autoritário, exerce sob a criança um pavor que o impele de aflorar seus instintos artísticos. Contudo, em um rasgo de rebeldia sentimental, ele rompe o contato com sua árvore genealógica (e isso não é uma metáfora), partindo de encontro com uma epopeia de auto-conhecimento e aprimoramento artístico.
Pois, como bem expressa uma parte do roteiro, "o único sentido da vida, é a vida" e, da mesma forma, a única explicação para a poesia, é a poesia. Por mais que seja um "filme-testamento", Jodorowsky faz questão de construir uma realidade imaginária, extrapolando os acontecimentos que retrata no longa. É o lirismo aliado ao verossímil que construiu sua carreira artística e, usando de certa metalinguagem, o diretor faz questão de mostrar como essa sua concepção de arte foi construída.
E é desse conflito fraternal que emerge toda a construção da trama. Mais ainda do que um filme sobre si mesmo, sobre a poesia ou sobre a arte, Poesia sem fim é, também, o perdão de um filho para com seu pai, que nunca mais se viram depois da juventude do diretor. É a voz de um viejo que sussurra para o seu passado, tentando acalentar o seu eu jovem e mostrar que tudo ficará bem.
O último encontro de pai e filho (Jodorowsky no centro, guiando os atores). |
Segundo filme de uma logia de cinco filmes, que começou com A dança da realidade (2013), em que o diretor procura retratar sua vida através da poesia cinematográfica, Poesia sem fim é uma expressão sintomática do vil e do erudito, da beleza e do hediondo. É - para além de qualquer análise crítica - um deslumbrante espetáculo de fantasias e excessos, que adornam ainda mais a carreira cinematográfica de um dos grandes nomes da Sétima Arte.
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