sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Sem Mais Delongas #13: O otimismo parasita.

(ou como a covardia também pode ser nobre).


Muitas são as dicotomias que com o curso histórico ganharam significados qualitativos: Céu e Inferno; beleza e feiura; positivo e negativo; claro e escuro; entre outras. Não muito diferente destas, evidenciou-se uma dicotomia um tanto quanto curiosa (e talvez uma das mais deturpadas) que pudemos presenciar: o otimismo como um aspecto de virtuosidade e o pessimismo como um tipo de corrupção psicológica e/ou social.

É estranho, a priori, pensar que os valores de tais proposições possam estar invertidos, mas uma reflexão mais profunda sobre as mesmas podem produzir resoluções que se dissociam desse senso comum. Filosoficamente, a realidade (e a existência humana, como objeto de investigação de si mesma) produziu uma percepção de que o mundo é um lugar de sujeira, onde a crueldade e o egoísmo são o cerne do funcionamento de uma vida em sociedade. O pessimismo, sob estes aspectos, seria apenas uma corroboração com o cenário no qual todos nós fazemos parte, seja direta ou indiretamente.

Já de caráter um tanto catártico (e absurdamente sofismável), o antagônico otimismo se apresenta como uma válvula de escape à toda essa noção de realidade desgostosa e misantrópica que se moldou com a produção da história do pensamento humano. Apresentando-se como algo lisérgico, toda a noção do otimismo está interligada - quase que integralmente - ao poder de se deixar enganar, se omitindo da realidade que nos cerca; o que é muito semelhante ao efeito de um entorpecente.


A existência é, por si própria, sofrida. O ser (ou existir) é a causa primeira do sofrimento, pois existir é querer (ter vontade) e, em consequência disso, querer é sofrer. É como um pêndulo que está em um estado de desejo e balança até alcançar um estado de saciamento desse desejo, até voltar ao estado primário, onde se volta a querer. Ilustra-se, assim, que a predisposição básica da existência - por ela mesma - é pessimista, pois o saciamento do desejo (felicidade) é apenas uma escala que fomenta a busca por outros desejos (vontades).

Tendo dito isto, o que se configura instintivamente é que um otimista, por sua natureza ilusória, é um covarde. Um covarde, pois aceita trair o próprio exercício ontológico ao assumir uma postura em que as coisas são naturalmente belas e genuínas. Um covarde, pois nega que as oscilações de momentos de gozo e de melancolia aconteçam por estas serem apontamentos manifestos de distorções de um estado de tristeza, onde se está ganhando uma potência de agir que impulsiona um estado de satisfação pessoal.
"Melancolia I" (Albrecht Dürer, 1514).
Contudo, a despeito de tudo isso, é também inegável que a busca por felicidade é - e continuará sendo - uma das grandes aventuras pela qual a existência passa(rá). Assim como esse parasitismo do otimismo é covarde por fraudar a sua própria natureza, ele também é nobre, pois na profundidade de sua concepção, ele fornece - ainda que ilusoriamente - ferramentas para uma luta (muito provavelmente) invencível.

A vida é uma senoide e as variações sensoriais pertencentes à ela são praticamente inevitáveis. O padrão correspondente ao parâmetro de comportamento desta tenderá a ser decrescente, pois toda a gênese da problemática funciona como uma balança, onde um peso é maior que o outro e onde, simbolicamente, essa situação mudará de figura com o impulso de um agente externo, alterando a realidade por um período momentâneo e depois retornando ao princípio magnânimo da existência. O pessimismo é resiliente, o otimismo é utópico. Fora isso, a vida é apenas um exercício de investigação árduo e sem sentido.

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