sábado, 30 de abril de 2016

Transgressividade #10: Dans Ma Peau (2002)

Capa do filme.
Antes de iniciar o texto, é importante ressaltar que o fator transgressor de Dans Ma Peau não está necessariamente ligado a estética e sim no poder de sugestão do filme, naquilo que está oculto; fazendo prevalecer uma abordagem vertiginosa que angustia na maior parte dos momentos.

O enredo centra-se em Esther (Marina de Van, que também assina e dirige o filme), mulher que após sofrer um acidente grave na perna (e não ter percebido o ferimento, até ver o sangue manchando o chão) começa a criar um tipo de obsessão por seu corpo e, mais precisamente, sua pele.

Não há como afirmar categoricamente que este acontecimento é o propulsor de todo o distúrbio masoquista que é acometido na personagem ao decorrer do filme. Contudo, em todas as cenas onde Esther se sente impulsionada a se auto-mutilar, é possível perceber certas características em comum.

É constantemente presente no filme - especialmente nas cenas onde a personagem se sente impelida à mutilação - uma sensação de vertigem com relação ao seu exterior. Um desconforto estressante ocasionado pelo automatismo das ações humanas.

A expressão de Esther frente ao mundo que a cerca é reflexo de um mundo dominado pela futilidade, onde toda a significância de algo é abstrata. Para fugir dessa realidade, ela se cobre com um 'manto de confortabilidade', onde sua pele representa a evasão da realidade. Os cortes que provoca a si mesma são uma tentativa de "cutucar a ferida", não apenas no sentido corporal, mas as feridas de uma existência sôfrega e depressiva.
A expressão do êxtase pelo fio da faca rente à pele.
Por mais que Dans Ma Peau não seja um primor cinematográfico e as atuações não sejam lá muito boas, o filme ganha mérito por sua abordagem intimista e excêntrica (como é de costume dos franceses). O roteiro não é genial, mas obtém sucesso naquilo que se propõe a fazer. Uma boa escolha para fugir do comodismo.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Área Cult #3: Ovsyanki (2010)

Capa do filme.
Há algum tempo que eu venho assistindo algumas porcarias hollywoodianas e não encontrava nada de interessante, mas eis que nas 'andanças da vida' eu me deparo com este ótimo filme russo de 2010.

Usando de uma narrativa melancólica, composta de planos-sequência longos e uma ausência de diálogos - muitas vezes - inquietante, a trama se desenrola num ritmo lento, porém bastante preciso.

O enredo é bastante simples, um homem convida seu amigo para o funeral de sua esposa, recém-falecida. Como ambos pertencem ao povo Merja (antigo povo Russo), é necessário todo um aparato para ser feito um ritual para a morte da mulher.

Após conseguirem todos os artefatos necessários para o ritual, os dois homens se direcionam para uma praia deserta, onde colocam o corpo da mulher em cima de uma 'mesa' formada por bastões de madeira e queimam o corpo da mulher. Após o processo de cremação, as cinzas do cadáver são reunidas e jogadas ao mar.

A odisseia fúnebre.
O filme dialoga com o sentido da perda atrelado à cultura Merja, que não acreditava em nenhum deus, mas venerava o amor e a água. A perda da esposa pelo marido, a perda dos traços culturais do povo Merja pelos mesmos e, por fim, a perda do passado. Tudo se interliga, impulsionada pelo clima melancólico e, por vezes, nostálgico da trama.

Ao término do filme, o diálogo final permanece com você, tal qual o filme com seus personagens: "Todo mundo vai descobrir por si só quando chegar a hora. Só o amor não tem fim."