sexta-feira, 29 de julho de 2016

Dedo de Prosa #10: Deus Não Está Morto 2 (2016)

Capa do filme.
Quando fui apresentado a Deus Não Está Morto - em meados de 2014 - confesso ter ficado bastante intrigado com a proposta de um filme que trouxesse um debate acerca de religião e sua influência na sociedade e até mesmo a existência de Deus. A ideia de mostrar pontos de vista contrários, apontando prós e contras acerca do constructo (no caso em específico, do cristianismo) religioso, é extremamente tentadora. Aliado a isso, o título ainda fornece um fator propulsor brincando com a famosa máxima Nietzschiana: "Gott ist tot" (do alemão: "Deus está morto"), extraída de seu livro "A Gaia Ciência".

Contudo, quão grande foi minha decepção ao me deparar com um filme cujo cerne está centrado em um maniqueísmo barato, galgado em argumentações rasas e construído de forma totalmente tendenciosa.

Ou seja, se você - assim como eu - se interessou por Deus Não Está Morto por pensar que o mesmo buscasse trazer reflexões frutíferas e bem estruturadas logicamente, com o intuito de gerar uma discussão sadia, sugiro que você procure outras formas de o fazê-lo. Seja lendo livros que sejam ambientados na temática ou assistindo a debates relacionados ao tema. Sugiro aqui o debate entre o teólogo e filósofo americano William Lane Craig e o jornalista, escritor e crítico literário britânico Christopher Hitchens; seu tempo será melhor gasto.

Feito esse introdutório, é esquadrinhado neste segundo filme a repetição das mesmas características que fizeram o primeiro filme alcançar certo sucesso comercial, mudando apenas a ambientação dos acontecimentos do filme. Dessa vez, o enredo gira em torno de uma professora cristã que é oprimida pela diretora da escola por supostamente estar pregando em sua sala de aula.

O caso acaba indo para o tribunal, onde todas as argumentações (totalmente pueris) favoráveis e contrárias são apresentadas, fomentando o maniqueísmo com a construção de figuras estereotipadas, de ambos os lados. Concordante a isso, o processo de narrativa do filme ainda abre espaço para um transcorrimento do enredo de caráter catártico, culminando no final espúrio onde a revelação é mostrada.

Dito isto, é importante ressaltar que Deus Não Está Morto 2 funciona bem no que se propõe a fazer; ou seja, ser um filme de propaganda, que busca gerar um sentimento de culto; confirmando ideias previamente estabelecidas. Fora disso, o valor desse filme é irrisório. Conceitualmente patético e praticamente nulo em termos de técnica, Deus Não Está Morto é um dos maiores embustes cinematográficos do século.

terça-feira, 26 de julho de 2016

Thriller Night #7: Incubus (1966)

Capa do filme.
Vendido por muitos como "o filme mais amaldiçoado de todos os tempos", Incubus é um dos grandes clássicos do terror na história do cinema, tanto pela sua indubitável relevância artística quanto por todas as numerosas tragédias e mitos envolvendo o longa.

Escrito e dirigido por Leslie Stevens, o filme conta a história de uma súcubo chamada Kia (Allyson Ames), um demônio em forma de mulher, que está cansada de seduzir pecadores e usa de sua ambição para alçar voos maiores, buscando enviar ao "Deus da Escuridão" a alma de homens nobres e virtuosos, escolhendo sua primeira vítima: Marc (Whilliam Shatner, em um dos de seus primeiros papéis no cinema).

Ao se deparar com dificuldades em seduzir, Marc, a súcubo é alertada por sua súcubo-chefe para ter cuidado com a força do amor e da bondade, não deixando que estas a dominem.

Quando Kia vê seu plano fracassar, ela resolve invocar um íncubo, espécie de espírito masculino especializado em seduzir mulheres, com a missão de seduzir a irmã de Marc, dando início a batalha pela alma dos mortais.

Impulsionado pela linguagem em Esperanto (língua artificial criada pelo médico e linguista polonês Ludwig Lazar Zamehof, por volta de 1887) usada na totalidade da trama, o enredo ganha um tom de ocultismo, muitas vezes reforçado pela fotografia em preto e branco e a atmosfera densa do filme, lembrando bastante o estilo de filmagem do Ingmar Bergman.
Kia, usando todo o seu poder de sedução.
A carga de simbolismos e o terror sugestivo da trama funcionam perfeitamente, como uma grande experiência lisérgica e onírica. Considerado por muitos pesquisadores como um filme feito de ocultista para ocultista, Incubus faz jus à sua fama de clássico cult e é - sem dúvida - um dos grandes filmes do gênero.
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Curiosidades:

1. A cópia usada na pré-estreia do filme não apresentou som, tendo que ser providenciada outra às pressas momentos antes da sessão.
2. A atriz Ann Atmar, que faz o pepel da irmã de Marc, cometeu suicídio dias antes do filme estrear no cinema.
3. A filha da atriz Eloise Hardt, que faz o papel da súcubo-chefe, foi sequestrada e morta por um psicopata, dois anos após a realização do filme.
4. O ator Milos Milos, que interpreta o íncubo no filme, matou sua namorada, ex-esposa do ator Mickey Rooney, e se suicidou meses depois.
5. Meses após a filmagem do filme, os cenários usados foram misteriosamente incendiados.
6. Os produtores só conseguiram distribuir o filme comercialmente 30 após seu lançamento, pois os arquivos foram perdidos na Universidade da Califórnia. O filme só foi recuperado graças à uma cópia encontrada na Cinemateca Francesa, tendo sido restaurada em 1996 para VHS e posteriormente para DVD.
7. Nerine Kidd-Shatner, terceira esposa de William Shatner, morreu afogada na semana em que o filme foi lançado em DVD.
8. Em seu comentário para o DVD, William Shatner lembra de um incidente que ocorreu durante as gravações. Segundo Shatner, uma figura hippie aproximou da companhia, importunando as gravações. Shatner afirma que o elenco reagiu com certa hostilidade, o que acabou irritando o hippie, que em voz alta proferiu uma maldição sobre o filme.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Transgressividade #11: Nekromantik (1987)

Capa do filme.
Embora já tenha abordado o tema necrofilia no blog ao escrever sobre Necrophile Passion, volto aqui a traçar algumas linhas sobre o tema para falar um pouco deste filme que é um clássico indelével da cena underground do cinema.

Por mais que abordem a mesma temática, há uma diferença circunstancial entre Nekromantik e Necrophile Passion: a abordagem usada para retratar o enredo. Enquanto Necrophile Passion é galgado em reflexões existenciais em torno do protagonista, Nekromantik prima por uma visão mais poética dos seus protagonistas e do próprio (atroz) ato da necrofilia, com uma absurda profundidade psicológica.

Dirigido pelo alemão Jörg Buttgereit, o filme gira em torno de Robert Schmadtke (Daktari Lorenz) e sua namorada, Betty (Beatrice Manowski). Robert trabalha na empresa Joe Streetcleaning, que tem como função a remoção de cadáveres em locais públicos. Logo no início, podemos ver Robert voltando para casa após fazer a "limpeza" de um local com alguns órgãos dos corpos que encontrou, agregando tais partes à sua coleção (visivelmente recheada, com muitos potes de vidro cheios de formol para que os órgãos se conservem).

O filme transcorre, com o fator caótico da trama progredindo de forma substancial. Até que, eis que - um dia - Robert encontra um cadáver em decomposição em um pântano lamacento e dá um jeito de levá-lo para casa. Agraciados com a presença de tal exuberante figura, Robert e sua namorada estrelam uma (romântica?) cena de sexo, simulando um ménage à trois entre eles e o cadáver. A sequência de imagens são compostas de situações aterradoras, com um toque peculiar de beleza fornecido pela trilha-sonora.
Dando uma chupada gostosa no globo ocular do cadáver.
Após isso, ele continua a ir trabalhar, deixando sua amada com o 'presunto'. Contudo, nem tudo são flores e, de tanto Robert chegar atrasado ao trabalho, seu chefe se enfurece e o demite. Frustrada pela perda do emprego do namorado e por não ter mais essa via fácil de aquisição de cadáveres que Robert lhe proporcionava, ela resolve abandoná-lo, levando o cadáver junto com ela.

Com a perda do emprego e da namorada, ele entra em uma depressão profunda, não conseguindo obter prazer em mais nada. Ele assassina o seu gato, prendendo-o em um saco de lixo e arremessando-o contra a parece e depois toma um banho de banheira com o sangue do animal escorrendo em cima dele; mas de nada adianta.

Ele vai ao cinema assistir um típico filme slasher repleto de misoginia, que o acomete a ir atrás de uma prostituta. Encontrando uma meretriz de beira de estrada, ele a leva para o cemitério, mas não consegue realizar o coito, dando uma bela broxada. A moça ri de sua cara e ele - enfurecido - a estrangula, conseguindo - após tê-la matado - manter seu membro rijo e transar com ela. Só que após finalizar o "serviço", ele adormece ali mesmo e acorda no outro dia com o som do coveiro, que tem sua cabeça arrancada por ele com um golpe de uma pá.

Desiludido, ele volta para casa com sua disfunção sexual perante a vida. Sem mais alternativas, ele decide dar cabo de sua vida ali mesmo, praticando um harakiri, perfurando sua barriga com uma faca enquanto ejacula esperma e sangue por seu pênis ereto, em uma intensa cena de êxtase absoluto.

Apesar das cenas extremamente grotescas (em especial a agoniante cena de esfolamento de um coelho, que surge no meio do longa como uma resposta à origem dos desvios psicológicos do personagem), da pobreza de recursos estéticos e cinematografia rasa, Nekromantik traz em suas entrelinhas uma proposta de debate com relação a solidão; a falta de empatia com o próximo; a desilusão amorosa; o convívio em sociedade e - claro - o estudo de fetiches sexuais excêntricos.
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Curiosidades:

1. O filme não contou com ninguém responsável pelos efeitos especiais, tendo sido filmadas as cenas com órgãos de animais.
2. O filme foi banido em diversos países por seu conteúdo amoral e transgressor.
3. A cena de esfolamento do coelho é real, tendo sido filmada em um criatório de animais.
4. Em 1991, 4 anos após o lançamento de Nekromantik, o filme ganhou uma sequência tão aterradora quanto o primeiro longa, dirigida pelo mesmo Jörg Buttgereit.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Sem Mais Delongas #7: O desinteresse pelo conhecimento e a desonestidade intelectual.

(ou como o mundo foi dominado por slogans).

A exemplo de "O debate e a "retórica" política (ou de como é fatigante ser respeitoso)", volto aqui a traçar algumas linhas sobre o caótico momento vigente nos discursos espalhados por aí. Falácias, muletas metafísicas, incoerências lógicas e muito mais.

É recorrente no meu cotidiano me deparar com muitos jovens espertos, especialmente na internet. Moços e moças que dedicam o seu dia a discutir problemáticas da nossa sociedade, sejam em questões sociais, políticas, econômicas ou até mesmo culturais. Isso é bom, sem dúvida. O problema não está na ideia em si, mas no discurso usado para defendê-la; na abordagem usada para corroborar com determinada ideia e até mesmo no arcabouço intelectual que aquela pessoa tem acerca do tema que ela mesma se propõe a defender.

Vivemos um mundo onde o jovem - sem generalizar - não se interessa pelo conhecimento. Adquirir sabedoria - na visão destes - não passa de um banal exercício mental. O bacana - nos dias de hoje - é ser esperto (como disse acima). Ter aquela resposta pronta em discursos mastigados que são muitas vezes empurrados para sociedade com uso de cooptação e proselitismo. 

Já não se pensa mais por si, hoje o cool é a defesa de agendas ideológicas. Adota-se toda uma estrutura de pensamento sem que essa seja minimamente perscrutada, incorporando um corpo que pode muito bem estar pútrido. Ser "mente aberta" - nos dias atuais - virou mera figura de linguagem; hoje o legítimo é a reprodução de slogans caricatos, que em determinado momento se apresentam para estes mesmos como dogmas incontestáveis.

Fruto disso, vemos a criação de muitos ídolos - sejam eles ideológicos ou figuras humanas - e uma massa de asseclas que os transformam em seres apoteóticos, inquestionáveis e de moralidade ilibada. Para isso, essa mesma massa age de forma desonesta, intelectualmente falando. Deturpam estatísticas para favorecer as suas visões, numa constante perpetuação da falácia do equívoco; atacam espantalhos ao serem questionados; violam princípios básicos da lógica e imputam aos seus "inimigos" rótulos pejorativos.

A "geração Wikipedia"¹ - que sabe de cor a página do site sobre algum tema, mas nunca se propôs a ler sequer um livro deste mesmo assunto - cresce absurdamente. O advento da internet e a interatividade proporcionada pelas redes sociais contribuiu para isso. A falta de ceticismo dessa juventude é algo assustador: dia a dia o cenário de jovens incapazes de formular um raciocínio coerente aumenta. 

O discurso que estes mesmos defendem parte de um processo raso e de um entendimento superficial. Aprofundar-se em questões complexas é necessário, ou se estará apenas proliferando achismos embasados em discursos rasteiros. Engolindo informações sem nem mesmo testá-las em um processo de falseabilidade. 

A cada dia que passa, tais pessoas se limitam a pensar de forma pequena, esquecendo todo o espectro gigantesco de ideias que um tema pode ter. Restringem até mesmo o acesso a informações que lhes são contrárias, ao invés de se proporem ao desafio de tentar martelar tais ídolos, mostrando como são ocos.

Até que ponto chegaremos se essa idiossincrasia escatológica se perpetuar de vez?
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¹Não vejo problema nenhum em se usar a Wikipedia como ferramenta de busca, muito pelo contrário. Acho a ferramenta interessante e necessária. A questão não está no uso da ferramenta, mas na insistência em permanecer apenas nela; em não se buscar um maior acesso a informações sobre o assunto (o que gera uma alienação desmedida). Isso serve para todo o processo de aquisição de conhecimento, sendo a Wikipedia apenas um exemplo mais palpável.