quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Dedo de Prosa #3: The ABCs of Death (2012)

Capa de The ABCs of Death
Há algum tempo que venho batendo na tecla que o gênero terror/horror sofreu uma queda considerável na qualidade de suas produções nos últimos anos. Por isso, resolvo hoje falar sobre este filme, que parece ser a redenção de todas as produções tacanhas e sem graça que tem sido lançadas nos últimos anos.

Para começar, tenho de fazer uma ressalva. Este não é um filme de terror no qual você irá se assustar. Pelo contrário, em muitos momentos você poderá até dar umas boas risadas.

Como está exposto na própria capa do filme: '26 Directors | 26 Ways to Die', esse filme tem uma proposta ousada e instigante. Foi dado a 26 diretores ao redor do mundo uma letra do alfabeto, na qual eles têm a missão de fazer um curta cujo título comece com a letra que lhes foi dada, com o adendo de que todos os curtas tratem da temática morte, de alguma forma.

Sendo assim, cada curta tem as suas particularidades. Não falarei de todos os curtas aqui, apenas falarei dos que mais gostei. Mas posso te adiantar uma coisa: o filme é muito nonsense, hilário e ousado. 

FART: (escrito e dirigido pelo japonês Noboru Iguchi) - esse curta centraliza-se em uma garota que não acredita em Deus, pois, segundo ela, "se Deus existisse, garotas delicadas não teriam vergonha de peidar quando quisessem". Ao invés de Deus, a menina acredita que a Srta. Yumi (sua professora) é que a protege. Então, há um surto que espalha uma fumaça por toda a cidade, fumaça esta que a garota se pergunta se seria um peido vindo da bunda de Deus (será?). Ao conseguirem escapar, a menina diz à professora que não quer morrer cheirando aquela fumaça, nas palavras dela: "se eu tiver que morrer, será cheirando o seu peido." Bom... o resto vocês já podem imaginar.
Srta. Yumi peidando na cara da menina.
KLUTZ: (escrito e dirigido pelo dinamarquês Anders Morgenthaler) - esse curta realizado em forma de animação consiste, basicamente, na ideia de uma mulher que, após cagar, não consegue se livrar do dejeto que produziu. Ele a atormenta de diversas formas, até que o "supercocô" se joga para voltar ao ânus da mulher, que morre com a intensidade da penetração do dejeto.
Mulher usando sutiã para tentar se livrar do dejeto que produziu.
LIBIDO: (escrito e dirigido pelo indonésio Timo Tjahtanto) - esse curta centraliza-se na ideia de uma competição de masturbação entre dois adversários, onde ambos têm de se masturbar para uma atração que será apresentada. O primeiro que gozar vence. O perdedor morre com uma estaca que atravessa desde o ânus até a boca. O rapaz cujo qual a cena gira em torno vence por doze vezes, tendo como atração até mesmo uma jovem (que aparenta ter algo em torno de 12/13 anos) com a perna amputada se masturbando com sua prótese. No 13º estágio da competição ele perde, pois se recusa a se masturbar para um homem transando com uma criança (aparentemente de 7/8 anos). Sendo assim, no próximo estágio ele se torna a atração. Ele faz sexo com uma mulher, que momentos depois o mata com uma serra elétrica enquanto os dois fazem sexo.
Garota perneta se masturbando com sua prótese.
NUPTIALS: (escrito e dirigido pelo tailandês Banjong Pisanthanakun) - esse curta é focado em um homem que compra um papagaio de estimação para mulher. O papagaio é ensinado pelo dono a pedir a sua mulher em casamento. Ele o faz e tudo corre tranquilo, aparentemente. Porém, após o pedido, o papagaio repete a conversa que seu dono teve com a amante enquanto traía sua mulher (recém noiva), imitando até mesmo os gemidos da amante. A mulher, enfurecida, esfaqueia o seu noivo com a faca de cozinha com que cortava um pepino.
O homem, exibindo seu papagaio para sua mulher (leia sem o duplo sentido).
WTF?: (escrito, atuado, produzido e dirigido pelo estadunidense Jon Schnepp) - este é, provavelmente, o curta mais nonsense do filme (o que acaba justificando o título). Usando de metalinguagem, o diretor aparece junto com seu parceiro de filmagem, discutindo sobre as ideias para o curta, até que uma mulher aparece em seu quarto pedindo para que os dois venham a sala de estar para verem o que passa no noticiário. A transmissão do noticiário informa que aviões percorrem o céu, emitindo um gás estranho e que as pessoas estão entrando em pânico, chegando a dizer que viram até palhaços-zumbis nas ruas (e enquanto isso, o diretor percebe a aparição da letra W, tanto no céu como na transmissão da televisão). Até que, uma voz surge anunciando que os Ws que apareceram constantemente representam o anúncio de uma suposta profecia autorrealizável, que levará a humanidade a extinção. A sequência de cenas que vêm a seguir desse momento são tão absurdas e sem nexo que não vale sequer a tentativa de tentar explicar. Portanto, assista o filme.

A cabeça do diretor, sendo esfaqueada pela (morte?).
XXL: (escrito e dirigido pelo francês Xavier Gens) - o curta em questão faz (acredite se quiser) uma leve crítica à sociedade impositora de padrões estéticos. O curta é focado em uma mulher obesa, que é vilipendiada a todo instante, enquanto está voltando para casa. Pressionada por essa imposição estética, a mulher começa a se cortar, na tentativa de eliminar a gordura excedente de seu corpo. Usando de uma faca de cozinha, uma gilete e uma pequena serra, ela mutila o próprio corpo para alcançar o padrão estético instituído pela sociedade moderna. Ao final da mutilação, ela aparece totalmente desfigurada, porém, aparentemente satisfeita com o resultado. Poucos segundos depois, ela morre.
Mulher, satisfeita com sua novíssima silhueta fina.
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Bom... é isso o que eu tinha para escrever. Gostaria de ressaltar apenas que esses foram os curtas que eu mais gostei, o filme proporciona muitos outros curtas que poderão lhe agradar mais do que estes. Portanto, assista ao filme e, se interessar, compartilhe o que achou no espaço para os comentários.

Descobri recentemente que há uma sequência desse filme chamada The ABCs of Death 2. Quando assistir, pretendo escrever sobre ele. Portanto, fique de olho no blog que logo, logo eu volto a aparecer.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Transgressividade #8: O Vídeo de Benny (1992)

Capa de O Vídeo de Benny.
Michael Haneke é - na humilde opinião deste ser que vos escreve - um dos maiores diretores do cinema contemporâneo. Seus filmes repletos de críticas sociais e cenas icônicas mantém um lugar especial em minha mente. Já passou da hora de falar de um filme desse peculiar diretor.

A escolha do filme foi demasiado complicada, visto que Haneke tem vários filmes excelentes. Contudo, restringi as opções àquelas que mais se aproximam a temática do meu blog (se é que existe alguma). Optei por Benny's Video e você entenderá o motivo nas linhas que virão a seguir.

Especialista em críticas sociais no mundo cinematográfico, Haneke fez um filme com o objetivo de mostrar a glamourização da violência no meio midiático e/ou a forma com que uma criação negligente e sem acompanhamento que alguns pais dão ao filho podem influenciar na sua maneira de pensar e agir. 

Vagando entre esses dois pontos, Haneke monta um filme encabeçado pelo protagonista Benny, interpretado por Arno Frisch, um adolescente que, devido a ausência dos pais, tenta compensar sua existência vazia com o consumo de filmes e fitas, prioritariamente, de conteúdo violento. Dentre as gravações favoritas do rapaz, está a fita (ao estilo snuff movie, gravada pelo próprio Benny) de um porco sendo abatido com uma arma de ar comprimido (imagem abaixo).
Porco sendo assassinado.
Particularmente, eu não gosto de assistir nada que contenha violência contra animais. Essa cena, em particular, é demasiado impactante. Não somente pela cena em si, que já é densa pela forma como foi filmada (com a sonoridade crua, que contribui para deixá-la ainda mais intragável), mas também pela frieza que os assassinos abatem o suíno. Frieza essa que se pode ver nos personagens do filme, que parecem não se importar com a cena. Isso se torna evidente com o discorrer do filme.

Contudo, eu gostaria de fazer um parêntese aqui. É curioso como nós, humanos, de uma forma geral, sentimos um sentimento de angústia ao vermos um animal sofrendo algum tipo de maltrato, mas quando isso se trata da nossa própria espécie, nossa reação não é tão revoltosa quanto. 

Não estou dizendo que acho errado alguém se sensibilizar com o sofrimento de um animal, longe disso. Apenas fico com uma arguição: será que a violência no meio social está tão recorrente que já nos adaptamos com isso e todas as atrocidades cometidas pelo mundo já não nos espantam e chocam mais? A humanidade se põe tão negligente ao ponto de achar a violência generalizada algo comum e rotineiro?

Bom... prossigamos com o filme. Em um fim de semana em que os pais viajam, o rapaz fica sozinho em casa. Ao ir na locadora de filmes, ele encontra uma garota desconhecida e a convida a ir com ele até sua casa. Inicialmente, tudo ocorre de forma leve, até passa uma leve impressão de um "romance juvenil".

Em determinado momento, o rapaz decide exibir a fita do porco para a garota. Ela não parece se chocar tanto com a cena. Porém, o rapaz retira de onde estava escondido, a arma de ar comprimido usada para matar o porco. Ele exibe a arma para a garota e em seguida pede para que ela atire nele. Ela recusa. "Covarde", diz ele. "Você que é covarde", ela retruca.
"Aperte", diz Benny para a garota.
Então, ele pega a arma e aponta a cuja para ela. "Aperte então", ela diz. "Covarde", ela completa. E então... ele aperta. A garota cai. De início, a reação do rapaz é natural, mas com os gritos agonizantes da garota, ele perde o controle. Descontrolado, o garoto dispara mais duas vezes. A garota morre.

Depois de assassinar a garota, Benny relaxa, e isso é o que mais assusta. A forma como os personagens de Benny's Video agem com total frieza e naturalidade perante um ato de violência (e morte, nesse caso) é agoniante. Logo após assassinar a garota, ele faz um lanche e come, incrivelmente sereno. Até mesmo quando ele está limpando o sangue do corpo, a impressão que passa é que ele está passando pano na casa. Uma atitude corriqueira; natural.

A partir daí, o garoto começa a ter um comportamento estranho. Ele raspa o cabelo, bate no seu melhor amigo em plena sala de aula, leva uma suspensão da escola e intensifica ainda mais sua atitude misantrópica. Ao ser questionado por seu pai sobre o motivo daquele comportamento "rebelde", Benny revela aos pais o que ocorreu, mostrando a gravação da morte da garota em meio a outros programas televisivos.

Agindo de forma totalmente fria e indiferente, Benny é levado a viajar com a mãe para o Egito, enquanto o pai esconde o corpo e se assegura de que conseguirá acobertar o ocorrido. Já no Egito, Benny prossegue com suas gravações. Em uma curiosa cena, onde Benny e sua mãe estão deitados assistindo televisão, ela desata a chorar. É apenas por meio da televisão que sua mãe consegue esboçar algum tipo de reação para toda aquela situação.

Ao voltar para casa, Benny denuncia os seus pais para a polícia. O filme termina com o título do filme sobreposto na imagem da câmera de segurança de um corredor onde os pais se encontram. No final, se percebe a cruel ironia que Haneke nos oferece. A transformação de Benny na persona vista em suas gravações, a persona em que esta glamourização o levou a se tornar.

Benny não detém a posse de sua existência, ele delega esse "fardo" a sua auto-reprodução. O fruto de uma sociedade asséptica e recheada de impessoalidade. Uma imagem; friamente disposta em um mundo cinzento e inóspito. Só resta uma arguição: se Benny vê um vídeo, e o que se acaba de ver é "o vídeo de Benny", seríamos nós levados aos mesmos passos de Benny?
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Umas poucas palavras sobre o diretor...

Haneke - definitivamente - é um diretor para poucos. Suas obras "chocantes" trazem uma atmosfera fria; crua. Sua visão de mundo é de enorme frieza, onde as pessoas reprimem seus sentimentos para tentar sobreviver em uma sociedade sem cor e sentido. Um lugar inóspito, onde não se há razão de ser.

Talvez - por essas e outras - que seus filmes figurem na mente de poucos cinéfilos, pois a natureza apática de seus filmes não agradam a muitos. Parece que, pensar, nos dias atuais, que o cinema ainda pode ser feito com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, deixa algumas pessoas desconfortáveis.