terça-feira, 8 de setembro de 2015

Transgressividade #8: O Vídeo de Benny (1992)

Capa de O Vídeo de Benny.
Michael Haneke é - na humilde opinião deste ser que vos escreve - um dos maiores diretores do cinema contemporâneo. Seus filmes repletos de críticas sociais e cenas icônicas mantém um lugar especial em minha mente. Já passou da hora de falar de um filme desse peculiar diretor.

A escolha do filme foi demasiado complicada, visto que Haneke tem vários filmes excelentes. Contudo, restringi as opções àquelas que mais se aproximam a temática do meu blog (se é que existe alguma). Optei por Benny's Video e você entenderá o motivo nas linhas que virão a seguir.

Especialista em críticas sociais no mundo cinematográfico, Haneke fez um filme com o objetivo de mostrar a glamourização da violência no meio midiático e/ou a forma com que uma criação negligente e sem acompanhamento que alguns pais dão ao filho podem influenciar na sua maneira de pensar e agir. 

Vagando entre esses dois pontos, Haneke monta um filme encabeçado pelo protagonista Benny, interpretado por Arno Frisch, um adolescente que, devido a ausência dos pais, tenta compensar sua existência vazia com o consumo de filmes e fitas, prioritariamente, de conteúdo violento. Dentre as gravações favoritas do rapaz, está a fita (ao estilo snuff movie, gravada pelo próprio Benny) de um porco sendo abatido com uma arma de ar comprimido (imagem abaixo).
Porco sendo assassinado.
Particularmente, eu não gosto de assistir nada que contenha violência contra animais. Essa cena, em particular, é demasiado impactante. Não somente pela cena em si, que já é densa pela forma como foi filmada (com a sonoridade crua, que contribui para deixá-la ainda mais intragável), mas também pela frieza que os assassinos abatem o suíno. Frieza essa que se pode ver nos personagens do filme, que parecem não se importar com a cena. Isso se torna evidente com o discorrer do filme.

Contudo, eu gostaria de fazer um parêntese aqui. É curioso como nós, humanos, de uma forma geral, sentimos um sentimento de angústia ao vermos um animal sofrendo algum tipo de maltrato, mas quando isso se trata da nossa própria espécie, nossa reação não é tão revoltosa quanto. 

Não estou dizendo que acho errado alguém se sensibilizar com o sofrimento de um animal, longe disso. Apenas fico com uma arguição: será que a violência no meio social está tão recorrente que já nos adaptamos com isso e todas as atrocidades cometidas pelo mundo já não nos espantam e chocam mais? A humanidade se põe tão negligente ao ponto de achar a violência generalizada algo comum e rotineiro?

Bom... prossigamos com o filme. Em um fim de semana em que os pais viajam, o rapaz fica sozinho em casa. Ao ir na locadora de filmes, ele encontra uma garota desconhecida e a convida a ir com ele até sua casa. Inicialmente, tudo ocorre de forma leve, até passa uma leve impressão de um "romance juvenil".

Em determinado momento, o rapaz decide exibir a fita do porco para a garota. Ela não parece se chocar tanto com a cena. Porém, o rapaz retira de onde estava escondido, a arma de ar comprimido usada para matar o porco. Ele exibe a arma para a garota e em seguida pede para que ela atire nele. Ela recusa. "Covarde", diz ele. "Você que é covarde", ela retruca.
"Aperte", diz Benny para a garota.
Então, ele pega a arma e aponta a cuja para ela. "Aperte então", ela diz. "Covarde", ela completa. E então... ele aperta. A garota cai. De início, a reação do rapaz é natural, mas com os gritos agonizantes da garota, ele perde o controle. Descontrolado, o garoto dispara mais duas vezes. A garota morre.

Depois de assassinar a garota, Benny relaxa, e isso é o que mais assusta. A forma como os personagens de Benny's Video agem com total frieza e naturalidade perante um ato de violência (e morte, nesse caso) é agoniante. Logo após assassinar a garota, ele faz um lanche e come, incrivelmente sereno. Até mesmo quando ele está limpando o sangue do corpo, a impressão que passa é que ele está passando pano na casa. Uma atitude corriqueira; natural.

A partir daí, o garoto começa a ter um comportamento estranho. Ele raspa o cabelo, bate no seu melhor amigo em plena sala de aula, leva uma suspensão da escola e intensifica ainda mais sua atitude misantrópica. Ao ser questionado por seu pai sobre o motivo daquele comportamento "rebelde", Benny revela aos pais o que ocorreu, mostrando a gravação da morte da garota em meio a outros programas televisivos.

Agindo de forma totalmente fria e indiferente, Benny é levado a viajar com a mãe para o Egito, enquanto o pai esconde o corpo e se assegura de que conseguirá acobertar o ocorrido. Já no Egito, Benny prossegue com suas gravações. Em uma curiosa cena, onde Benny e sua mãe estão deitados assistindo televisão, ela desata a chorar. É apenas por meio da televisão que sua mãe consegue esboçar algum tipo de reação para toda aquela situação.

Ao voltar para casa, Benny denuncia os seus pais para a polícia. O filme termina com o título do filme sobreposto na imagem da câmera de segurança de um corredor onde os pais se encontram. No final, se percebe a cruel ironia que Haneke nos oferece. A transformação de Benny na persona vista em suas gravações, a persona em que esta glamourização o levou a se tornar.

Benny não detém a posse de sua existência, ele delega esse "fardo" a sua auto-reprodução. O fruto de uma sociedade asséptica e recheada de impessoalidade. Uma imagem; friamente disposta em um mundo cinzento e inóspito. Só resta uma arguição: se Benny vê um vídeo, e o que se acaba de ver é "o vídeo de Benny", seríamos nós levados aos mesmos passos de Benny?
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Umas poucas palavras sobre o diretor...

Haneke - definitivamente - é um diretor para poucos. Suas obras "chocantes" trazem uma atmosfera fria; crua. Sua visão de mundo é de enorme frieza, onde as pessoas reprimem seus sentimentos para tentar sobreviver em uma sociedade sem cor e sentido. Um lugar inóspito, onde não se há razão de ser.

Talvez - por essas e outras - que seus filmes figurem na mente de poucos cinéfilos, pois a natureza apática de seus filmes não agradam a muitos. Parece que, pensar, nos dias atuais, que o cinema ainda pode ser feito com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça, deixa algumas pessoas desconfortáveis.

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