sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Sem Mais Delongas #11: O enaltecimento do vazio.

(os efeitos da indústria pasteurizada da "música dançante").


Eu sempre achei curiosa a expressão "música para dançar". A premissa básica de toda música reside no seu teor auditivo, portanto essa definição a priori não faz sentido. Pessoalmente, eu não costumo ter muita afinidade com essas ditas músicas, mas me peguei refletindo sobre o porquê destas terem se transformado em um fenômeno no meio musical, especialmente em números de venda. Nessa "categoria" surgem como proeminentes do gênero a música pop e a "eletrônica", que ano após ano acumulam cada vez mais admiradores e prêmios.

Sendo a música uma das artes mais profundas e de maior complexidade, onde sons se transformam em expressões sensoriais da existência, parece-me um tanto estranho que exista toda uma massa de pessoas que se encantam por constantes pastiches, onde já não se vê quase nada de original. Tempos áureos do R&B aparentam estar imensamente distantes e só o que nos resta é um caos musical.

Eventos como o Tomorrowland representam um verdadeiro ode à estupidez. Uma porção de pessoas saltitantes ouvindo um arremedo de DJs de pen-drive (embustes), que apenas incentivam a histeria coletiva da imbecilidade com gestos, sem produzir nada de efetivo musicalmente. Com isso, a tal música eletrônica perde sua essência gradativamente com o crescimento destes picaretas e músicos fantásticos perdem espaço, como The Chemical BrothersThe Crystal MethodThe ProdigyMoby e até mesmo o antológico grupo alemão Kraftwerk.

No cenário da música pop não é muito diferente. A plasticidade de grande parte dos músicos do gênero é tamanha, que se torna difícil perceber se eles assim são por incapacidade musical ou por já estarem acomodados com o sucesso. Pra piorar, o fã ortodoxo se deixa transformar em gado, não admitindo as tacanhas produções que seu ídolo vem fazendo. A massificação de um comportamento que beira o fanatismo por parte destes é tão absurda que, muitas vezes, pouco importa a qualidade material do artista, desde que ele(a) represente um símbolo erótico. A proliferação de "divas" e "divos" explicita uma fetichização dos artistas que é extremamente bizarra.
"A False Note" (Hermann Kern, ano desconhecido).
Fórmulas vão sendo repetidas, músicas totalmente desprovidas de qualquer harmonia ou melodia vão sendo criadas e uma grande massa de gado segue em formação. O exercício da experiência musical vai se reduzindo a um patamar ridículo. Dever-se-ia pensar em música como uma manifestação de arte com função sinestésica e não como estímulo para que um grupo de acéfalos possa mexer a sua bunda. Os efeitos dessa exaltação ao nada são sonoros (com o perdão do trocadilho) e as consequências estão bem claras. Se esse panorama não mudar, a verdadeira arte será dizimada.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Área Cult #5: Blind (2014)

Capa do filme.
"O real não importa, desde que eu visualize bem."

Primeiro longa do diretor norueguês Eskil Vogt, Blind não é somente um filme, mas uma experiência sensorial. A personagem Ingrid não apenas está perdendo a visão, mas também perde sua capacidade de perceber o mundo sensorialmente. Como uma grande viagem, ela passa o filme tentando captar as nuances do mundo.

Por conta disto, o tom branco e claro da fotografia é salientado, contrastando o apartamento espaçoso e minimalista com a magnitude da escuridão de sua cegueira. O tom de pele quase albino da atriz (Ellen Dorrit Petersen) também contribui para a simbiose das imagens, reforçando através destas uma certa suavidade escondida por detrás de toda a atmosfera gélida que impera no decorrer do longa.

Com o desenrolar da trama, é exposto - ora de forma delicada, ora de forma irascível - memórias e agonias existenciais que percorrem a mente e a vida de Ingrid. Essa confusão de experiências dá origem à subtramas que desnorteiam um pouco o espectador, possibilitando ao enredo explorar elementos do cotidiano de forma profunda.

Mas o ponto chave da trama é o roteiro. Não é nada fácil construir toda uma história envolta aos pensamentos de uma personagem, ainda mais quando esta é limitada de um sentido básico como a visão, mas Vogt faz isso brilhantemente. O ser humano não funciona de forma mecânica e o diretor parece fazer questão de enaltecer isso. As aflições e agonias de Ingrid, a frieza de seu relacionamento praticamente falido e até mesmo os instintos sexuais que permeiam a mente humana, estão ali à nossa frente.
Ingrid, imersa no vazio existencial que sua vida se tornou.
Não à toa Vogt levou o Prêmio de Melhor Argumento no Festival de Sundance. Sua obra não apenas capta os dilemas da existência, como mergulha profundamente na intangibilidade da psiqué humana. Um verdadeiro exercício de cinematografia em favor da dramaturgia, Blind é um filme que deve ser visto. A experiência de assisti-lo representa a possibilidade de descortinar a si mesmo, enquanto aos poucos vemos o filme em si sendo descortinado; pois assim como a de Ingrid, às vezes a nossa realidade também não importa.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Sem Mais Delongas #10: O fenômeno acadêmico do Marxismo.

(ou como os jovens são enganados pelo seu instinto "revolucionário").


Que a academia brasileira está tomada - quase que hegemonicamente - por um pensamento Marxista e seus adjacentes, não é novidade. Mas algo que mantém uma certa curiosidade em mim é o porquê de tantos jovens - nas suas mais variadas formas - defenderem uma ideologia falida, já refutada e comprovadamente falha. Claro que isso está totalmente ligado ao ensino centralizador e instrumentalizado que impera em grande parte no Brasil, mas ainda parece haver mais fatores envoltos nessa idolatria descabida ao Marxismo.

Em seu ensaio filosófico "A Mentalidade Anticapitalista", Ludwig Von Mises postula brilhantemente alguns motivos para a crescente ojeriza ao capitalismo (e consequentemente a ascensão do Socialismo), tais como o fracasso pessoal e a inveja dos bem sucedidos. Contudo, a adoção dessa postura por grande parte dos jovens brasileiros parece - ao menos para mim - advir do instinto de revolta que acomete a quase todos os jovens, na sua fase de descoberta do mundo.

Como toda revolta necessita de um alvo, muitos destes enxergam nas ideias de Marx um salvo-conduto para expor suas resignações e definirem, erroneamente, aquele que seria o inimigo: o capitalismo. Mas como poderia uma ideologia como o Marxismo, falha nas mais variadas ordens, sejam elas teóricas e práticas ou econômicas e morais, ser a solução para a suposta exploração do Capitalismo?

Economicamente falando, Marx erigiu seu pensamento na ideia da Mais-valia, conceito formado a partir da errada ideia de Valor-Trabalho formulada pelos economistas clássicos. Segundo Marx, um trabalhador é explorado pelo seu empregador pelo mesmo repassar ao primeiro um valor menor do que a quantidade de trabalho investido por este trabalhador. 

Porém, esta ideia de Marx já foi refutada pela teoria da Utilidade Marginal, que afirma que o que confere valor à uma mercadoria não é o trabalho investido na mesma, mas a sua utilidade. Uma mercadoria que tenha exigido muito trabalho para que seja produzida, não terá valor significante se não tiver utilidade e demanda de compra, resultando na teoria do Valor Subjetivo.

Faltou a Marx perceber que as diretrizes que desenvolvem o mercado funcionam de baixo para cima e não de cima para baixo. É o consumidor que, com seu poder aquisitivo, informa ao produtor o que lhe é útil ou não, fazendo com que - consequentemente - sejam determinados os valores de produção e de trabalho.

Além disso, Marx também esquece de notar um fator importante (e um tanto óbvio) ao formular sua teoria: o tempo. Em termos praxeológicos, um empreendedor investe na produção de bens após ter feito um processo de acúmulo de capital. Após ter passado por esse processo, ele coloca o capital acumulado na produção de bens econômicos que visam desenvolvimento, seja dele próprio, de seus funcionários ou até mesmo de seus consumidores.

Esse empreendedor não pode pagar para seu funcionário um valor x equivalente ao seu lucro, pois se assim o ocorresse não haveria dinheiro para que houvesse investimento no mercado e ele mesmo não teria o retorno do capital investido por ele no início. O capitalismo age como um processo de trocas voluntárias. O lucro funciona como indicador das riquezas produzidas, onde empregador e funcionário trocam voluntariamente o dinheiro pela matéria prima.

Se não houver lucro, não há como saber se o que está sendo produzido está trazendo ou não retorno financeiro, podendo fazer da produção um desperdício de recursos. Sem os preços de mercado e o lucro, seria impossível determinar se estará sendo produzido algo que vale mais que a matéria prima ou mesmo o tempo de trabalho.

Sendo assim, esse sistema de trocas demonstra como tanto empregador, funcionário e consumidor optam por preferências ao interagirem de forma econômica. Com o capital adquirido pelo trabalhador advindo do seu trabalho, ele obtém os mais variados bens de consumo. Caso ele tivesse que produzir ele mesmo estes bens de consumo, ele teria um trabalho imensamente maior para o adquiri-los, por isso ele opta pelo sistema de trocas.

É a forma que o trabalhador tem de consumir os bens de consumo, que ele não teria oportunidade caso ele optasse por produzi-los ele mesmo. Sendo assim, ele não só não é explorado, como ele ganha mais do que o seu trabalho jamais seria capaz de produzir sozinho. Para isso, ele aloca o seu trabalho usando do sistema de lucros, onde terá o seu retorno por meio de trocas voluntárias.

Posteriormente, outros economistas como Mises e Hayek ainda apontaram o problema do Cálculo Econômico, explicando que da forma como o Socialismo é postulado, é impossível que haja um dispositivo de medição de oferta e demanda. Se tal dispositivo não existe, a economia se torna um caos.

No que concerne ao aspecto moral, Marx propõe soluções que são por si só um atentado à todo tipo de aplicação moral. Segundo Marx, para se resolver essa exploração que seria feita contra o proletário, seria necessário que o Estado (órgão central) aja como distribuidor da riqueza. Para isso, o Estado (supostamente imparcial) confiscaria os bens de consumo e anularia o conceito de propriedade privada, delegando todo o funcionamento do mercado às ações estatais.

Tal postulação é imoral não somente por destruir direitos naturais: direito à vida, à liberdade e à propriedade, conceituados por Locke, mas também no que concerne ao campo empírico. Ademais, é uma completa insanidade essa fé inabalável no ser humano (que agrupadamente compõe o Estado) que se mostrou falha em todas as experiências baseadas no Marxismo que o mundo produziu, com milhões de mortos resultantes do autoritarismo e a miséria gerada por tais experiências.

Dito isto, chego no ponto em que manifesto o que aparenta ser a resposta da pergunta feita anteriormente: o fator resultante para essa idolatria ao Marxismo advém do instinto revolucionário e o senso de justiça e igualdade que dominam os mais jovens. Filosoficamente, isso é muito bonito, mas o choque com a realidade mostra como tais conceitos são frágeis.

É no mínimo incoerente que sua inspiração revolucionária se confronte com a liberdade individual ou que você omita, por predileção, a ideia de que igualdade não necessariamente esteja ligada à riqueza e que desigualdade não necessariamente esteja ligada à miséria. Uma sociedade pode ser igualmente miserável ou desigualmente bem sucedida, garantindo um nível de vida satisfatório aos mais pobres.

Mas o mais curioso nisso tudo, é que essa formação de revolucionários de meia tigela não somente os aliena do verdadeiro problema, como faz com que estes se tornem asseclas e promovedores de um discurso despótico e que contribui para que esse problema se propague. É de se pensar até que ponto chegaremos...

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Sem Mais Delongas #9: No princípio era o verbo.

(o esvaziamento das palavras).


Há algum tempo que venho percebendo, nas interações sociais que cercam a minha pessoa (e até mesmo na análise pueril que faço ao perceber a interação de outros), uma certa exaltação incompreensível das palavras e seu impacto em um contexto social e histórico. O valor de uma oração passou a um patamar onde as mesmas não representam - supostamente - apenas a externalização daquilo que se pensa, mas carregam dentro de si toda uma significância e pressão psicológica imbuída em um círculo social.

Tornou-se rotineiro ver pessoas perpetuando a ideia de que as palavras têm em si um valor que transcende a linguística, a semântica ou até mesmo a filologia. Ao meu ver - que há tempos adoto uma "filosofia de vida" inspirada nos versos de "Enjoy the Silence", do Depeche Mode - é um tanto quanto complicado conseguir entender toda essa glorificação abstrata. "Mas e a poesia?", dirão. O que será da poesia senão uma sucessão de mentiras expostas na forma de versos? O poeta é um fingidor, mas só o é por causa das palavras escritas por ele também o serem.

Todo esse senso de abnegação e altruísmo soa imensamente torpe. Não importa quantas manifestações de sentimento se faça, se estas não possuem em seu cerne algum tipo de verossimilhança. Agrava-se mais ainda quando ocorre a repetição desses mesmos dizeres a fim de que incorra um tipo de reforço positivo, onde se fica evidente a total fragilidade desse vácuo emocional.

"Morning Sun" (Edward Hopper, 1952).
Essa aceitação ipsis litteris é algo que me foge a significância. Talvez por ainda ser muito ignorante com relação ao que constitui a vida e as variáveis que a cercam. O fato é: por mais que para mim palavras não representem um valor, cá estou eu adotando uma visão de mundo inspirada nas mesmas e compartilhando essa visão utilizando das mesmas. O que me resta é superar essa contradição e encontrar o silêncio. Aproveitá-lo...