quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Dedo de Prosa #15: O Jardim das Aflições (2017)

Capa do filme.
"O filme que não deveria existir."

Antes de falar objetivamente sobre o filme, acho necessário colocar algumas palavras: nunca me considerei um aluno e, muito menos, um discípulo do Olavo (até porque não tenho a prepotência para assim me denominar), mas nutro pelo pensamento Olavista um apreço considerável e uma concordância significativa com boa parte de suas ideias (embora não sejam todas). Por isto, considero simplesmente ultrajante toda a maracutaia e patifaria promovida pelo festival de Recife com relação ao filme, demonstrando sintomaticamente o parasitismo de boa parte da intelligentsia brasileira. Mas vamos ao que interessa.

É claro que é impossível adaptar todo o contexto de uma obra literária para o cinema. As plataformas de produção dessas vertentes artísticas são compostas de características muito distintas e é muita ingenuidade imaginar que um filme consiga abarcar toda a narrativa tratada no livro (ainda mais quando este aborda tantas questões, especialmente filosóficas). Por isso que, ao menos para mim, o filme O Jardim das Aflições serve apenas como um introdutório das reflexões engendradas por Olavo no seu livro homônimo e, em certa medida, ao resto de sua extensa produção filosófica.

Na primeira parte do filme: Contra a tirania do coletivo, o Olavo desencadeia a ponta do iceberg de suas reflexões acerca das compleições socio-político-jurídicas do mundo contemporâneo, tomando como princípio "o jardim das delícias" de Epicuro, no qual ele encontra as raízes que viriam, posteriormente, a desembocar nas ideias que culminariam nas aflições de seu jardim. Neste ponto, o Olavo se põe ostensivamente contra a ação centralizadora e instrumentalizada com que o Estado detém o poder, bradando de tal forma que - brinco - assemelha-se a um libertário inveterado.
"O jardim das delícias terrenas" (Hieronymus Bosch, 1504)
A política dos direitos - uma espécie de mantra do "bom selvagem" contemporâneo - é tratada pelo Olavo como o principal instrumento de contribuição para o crescimento do Estado e a manutenção de seu poder. Ao manipular-se o inconsciente (imbecil) coletivo, criam-se as raízes para que se estabeleça uma autoridade artificial dessa organização política (e criminosa) denominada Estado.

Para tal, faz-se necessário que essa organização anteriormente citada incorpore as responsabilidades de produção das áreas de propagação de ideias, conduzindo um discurso a se tornar hegemônico. Ao se instrumentalizar esse inconsciente, inspirado em estratégias gramscianas, é propiciado o ambiente para reverter aquilo que o sociólogo brasileiro Raymundo Faoro cunhou de estamento burocrático, fazendo dessa nova classe o status quo do poder.

A segunda parte do filme: Como tornar-se o que é, tem seu enfoque maior voltado para a formação da personalidade e, consequentemente, para o próprio Olavo. Explicitando a origem das ideias e explicando o motivo inicial de seus interesses intelectuais (o porquê do sofrimento), o filme vai destrinchando as ideias e ambientes que foram cruciais para a maneira de enxergar a vida do filósofo brasileiro. O ambiente familiar - principal foco de resistência ao Estado, como diz o próprio - é colocado em destaque neste plano do filme.

Contudo, apesar do seu contexto narrativo e a importância com que esse seio institucional tem, não só para o Olavo, mas também para a sociedade como um todo, considerei um tanto desnecessária a exposição da vida pessoal do filósofo. Penso que esse tempo de tela poderia ter sido usado melhor tratando-se mais especificamente da produção filosófica do autor em questão. Mas, claro, tenho essa percepção porque, para todos os fins, não me importo com a vida pessoal dele, o que talvez mude com relação aos outros telespectadores que venham a ver o filme.

A terceira parte do filme: A ideia dos náufragos, foca no próprio exercício da filosofia em si: o ato de filosofar. Como um homem perdido, tal como definido por Ortega y Gasset, a ideia do náufrago é uma espécie de resolução que, conforme se caminha em rumo à erudição, tende a defrontar-se com a morte e a irrevogabilidade de tudo. Tudo que existe é moldado segundo as circunstâncias e só o que nos resta é a absorção destas. O nosso destino, se assim o pudermos chamar, é parasitar em categorizações que nos são caras. Pois, no fim, as únicas ideias que valem são aquelas importantes o suficiente no momento em que estamos nos afogando.
Caçando os esquerdistas.
Apesar do tom de bajulação que às vezes surge no filme (consequência clara da admiração dos produtores do filme com relação ao filósofo), a construção do longa deixa a desejar ao mostrar as ideias do Olavo sem uma espécie de confrontamento mais claro. É óbvio que o intuito do filme é mostrar e disseminar as ideias do pensador, tais como elas são, mas trabalhar as ambiguidades com que o próprio Olavo erigiu seu pensamento poderia ter acrescentado para o filme. Contudo, isso não foi o suficiente para diminuir o brilhantismo do filme.

Olavo de Carvalho é, talvez, uma das figuras mais importantes no confronto com a hegemonia de pensamento e, citando o Lobão, o apartheid intelectual que foi engendrado nos meios de difusão de ideias pela intelligentsia brasileira. Além disso, foi por influência sua que muitas produções bibliográficas chegaram ao alcance dos leitores brasileiros, que jamais teriam acesso se não fosse pela sua iniciativa. E, sobretudo, na formação intelectual de diversos jovens. Por isto é, ao menos para mim, compreensível o furor que seu nome causa, tanto por admiradores quanto por detratores. Afinal, a maior força que existe é a personalidade e, sem dúvidas, isso é algo que não falta ao Olavo.

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