sábado, 3 de fevereiro de 2018

Sem Mais Delongas #19: O direito à arrogância.

(ou de como a arrogância tem de ser merecida).


É curioso como posturas como a arrogância - assim como o pessimismo - são vistas pelo inconsciente geral com certa repugnância, ainda mais se formos honestos o suficiente e começarmos a perceber que, em certa medida, todos assumimos uma postura arrogante perante alguma situação, em algum momento de nossas vidas. Ainda assim, talvez por influência do "bom selvagem rousseauniano" ou da estúpida crença contemporânea de que todos são iguais e devem se amar mutuamente (o eterno blá-blá-blá dos humanistas falsários), grande parcela das pessoas tem dificuldade em se enxergar assim, pois se enxergam como possuidores de uma pureza incorruptível.

O mundo real, entretanto, não é essa alegoria um tanto romântica da vida em comunidade. Pois, como bem observou o Pondé: "alguns poucos homens são melhores do que a maioria". O problema que planejo tratar, contudo, não é a arrogância em si, pois vejo-a como algo natural e, muitas vezes, saudável. Afinal, como bem diria Burke, o mal só insurge como magnânimo quando os bons deixam-se ser dominados pela crença ilusória de alguns. O ponto que aqui planejo discorrer (e como o título já sugere), é o momento em que a arrogância pode ser considerada como algo salutar.

Para isso, tomarei como premissa a ideia de que, para que a arrogância seja disposta de maneira coerente, é necessário que ela seja impulsionada por um aprofundamento ostensivo em uma determinada questão em específico, de modo que esta se justifique dentro deste contexto. Assim sendo, um indivíduo tem o direito de, perante uma pessoa com pouco (pra não dizer nenhum) arcabouço de conhecimento acerca de um tema, colocar-se em uma posição de superioridade com relação ao outro. 

É justamente invertendo-se os lados que se encontrará o aspecto deplorável da tomada de uma postura arrogante. A ausência de merecimento, assim colocado, é que transforma a adoção dessa postura em algo deplorável. É o cúmulo do absurdo que alguém, inepto em algum assunto, julgue-se apto para conversar sobre um assunto com alguém de estudos aprofundados sobre aquele tema. Portanto, é totalmente compreensível que o erudito do contexto se recuse a nivelar o debate por baixo, até mesmo para preservar a própria sanidade do processo de aquisição de um repertório cognitivo.

Quando Sócrates, séculos antes de Cristo, afirmou que a virtude de um sábio é o reconhecimento de sua própria ignorância, ele não estendeu essa afirmativa aos limites da adoção de uma humildade genérica e hipócrita, mas entendeu que é necessário que se compreenda os limites da nossa própria sabedoria, a fim de que, consequentemente, saibamos reconhecer em que pontos podemos nos posicionar e expressar-nos sobre e em que pontos devemos nos abster. O verdadeiro exercício da arrogância e da humildade está na conquista da percepção de em que momentos é saudável nos expormos destas maneiras.

Parafraseando o Olavo de Carvalho: a arrogância serve precisamente para aquelas ocasiões onde assumir uma postura humilde é compactuar com a mediocridade. Ou seja: existe toda uma nobreza na adoção de uma postura arrogante, legitimada por um repertório, que é o de preservar a elevação das reflexões acerca do tema. Da mesma forma, é extremamente abjeto supor-se articulado em uma questão sem possuir o repertório necessário para isso. Portanto, é um direito inalienável de todo indivíduo ser arrogante, se ele assim o fez por merecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário